quarta-feira, 5 de outubro de 2011

TRANSPONDO BARREIRAS

Por Nazareth Xavier de Avellar (*)

Nada me fascina mais que a capacidade de superação de certas pessoas.

Quando a conheci eu pouco sabia dos valores e do que a vida representava para o ser humano.

Como toda adolescente, estava mais para viver o momento que para pesquisar.

Mas, aquela minha Mestra (uma alemã de temperamento forte, capaz de nos corregir com um simples olhar) tinha sempre pronto um exemplo em que colocava aquela figura em evidência.

E falava da força que ela exercia, da maneira como enfrentava os obstáculos que a vida lhe aprontava, de como superou as dificuldades e de como chegou a ser uma das escritoras mais lidas do seu tempo e citadas até os dias atuais.

E eu, na minha imaturidade, não conseguia entender como uma pessoa com deficiências sensoriais tão marcantes pudesse mostrar que nada impede a obtenção do sucesso.

Foi assim, através da minha sempre lembrada Madre Sigfrieda, que conheci Helen Keller, hoje, meu ícone maior.

Helen, estadunidense do Alabama, perdeu a visão e a audição aos 18 meses de idade, vítima de uma doença que hoje, acredita-se, tenha sido escarlatina, diagnosticada na época como “febre cerebral”.

Não via com os olhos, não ouvia com os ouvidos mas via e ouvia através de uma sensibilidade extremamente acurada que a tornou grande escritora, filósofa de renome e notável conferencista.

"Belos dias como estes, dizia ela, fazem o coração bater ao compasso de uma música que nenhum silêncio poderá destruir. É maravilhoso ter ouvidos e olhos na alma. Isto completa a glória de viver”.

Conta-se que ela sentia as ondulações dos pássaros através dos cascos e galhos das árvores de um parque por onde ela costumava passear. É dela a frase: “As melhores e mais belas coisas do mundo não podem ser vistas nem tocadas, mas sentidas pelo coração”.

É sabido que os olhos e os ouvidos são os mais importantes meios (80 a 90%) de penetração de informação do ser humano. No caso de privação simultânea destas duas capacidades, o que é chamado de surdocegueira, o acesso da pessoa à informação e ao seu desenvolvimento ficará fortemente prejudicado e sofrerá fortes alterações.

O surdocego passará a depender totalmente de outras pessoas, sob pena de ficar em completo isolamento, sem informação nenhuma do meio que o rodeia.

Não me cabe nem pretendo fazer estudo sobre a surdocegueira. Entendo ser isso da competência de especialistas no assunto. Não me privo, porém, da oportunidade de exaltar aqueles que conseguiram e comprovaram através da educação direcionada ser possível retirar o surdocego do seu interior isolamento e integrá-lo totalmente à sociedade.

A literatura cita vários casos de surdocegos que, à luz da educação, conseguiram transpor as barreiras que os isolavam do mundo.Entre outros: Victorine Morriseau (1789); Julia Brice, (1822); Laura Bridgman, (1829); Eugenio Malossi, (1887); Olga Ivanova.

O caso mais conhecido é, sem dúvida, o de Helen Adams Keller, que foi educada a partir dos sete anos, em 1887, pela professora Anne Mansfield Sullivan, que era parcialmente cega.

A indicação de Anne para ensinar Helen foi feita por Alexander Graham Bell que havia sido procurado pelo pai de Keller. Antes da sua educação formal, Helen apresentava comportamentos agressivos, tais como dar pontapés, beliscar as pessoas, empurrar, bater; era desastrada e recusava ser guiada.

Ela mesma conta que "teve de ser levada à força para a primeira aula; não compreendia a obediência e nem apreciava a bondade". Em “História de minha vida” assegura que, ”devido a este comportamento, a professora Anne Sullivan optou por iniciar a educação ensinando a soletração do alfabeto datilológico na palma da mão, relacionando a palavra à ação, e/ou vice-versa.

Durante três anos a aluna aprendeu esse alfabeto, conseguindo assim distinguir vários substantivos, depois os adjetivos, seguidamente os verbos”.

No entanto, para Helen, as palavras não continham qualquer ligação. Só aos poucos principiou a formular algumas perguntas simples; começou a controlar os seus impulsos e a ser aceita socialmente.

Certo dia, através do alfabeto datilológico, disse para Sullivan: “Quero aprender a falar”. Anne experimentou um método para esse fim e, no final da décima lição, a aluna surpreendeu a professora quando disse com voz pura e clara: “Não sou mais muda”. Helen tinha 10 anos quando isso aconteceu.

Assim foi que, graças à paciência e dedicação de Anne Sullivan, Helen Keller atingiu a plenitude da sua potencial capacidade de aprender e de se comunicar e passou a entender, como ela mesma afirma, que ...com frequência olhamos tão longamente para a porta fechada que não vemos aquela que se abriu para nós".

Em 1902, estreou na literatura publicando sua autobiografia A História de Minha Vida. Depois iniciou a carreira no jornalismo, escrevendo artigos no Ladies Home Journal.

A partir de então não parou de escrever. Entre as publicações deixadas destacam-se: Otimismo (ensaio); A canção do Muro de Pedra ; O Mundo em que Vivo; Lutando contra as trevas; A Minha Vida de Mulher; Paz no Crepúsculo; Dedicação de Uma Vida; A Porta Aberta; A história de minha vida, que ao completar 50 anos da sua primeira publicação foi traduzida para 50 idiomas.

Em 1904 graduou-se bacharel em filosofia pelo Radcliffe College, instituição que a agraciou com o prêmio Destaque a Aluno, no aniversário de cinquenta anos de sua formatura.

Falava francês, latim e alemão, além do inglês, sua língua materna. Ao longo da vida foi agraciada com títulos e diplomas honorários de diversas instituições, como a Universidade de Harvard e Universidades da Escócia e de países como Alemanha, Índia, África do Sul, França, Brasil, Japão.

Helen Keller faleceu em 19 de junho de 1968, em “Arcan Ridge”, algumas semanas antes de completar 88 anos. Suas cinzas foram depositadas ao lado das de Anne Sullivan na Capela de São José, na Catedral de Washington.

À cerimônia compareceram sua família e amigos, autoridades do governo, pessoas proeminentes de todos os setores e delegações da maioria das organizações para cegos e surdos.

No seu último adeus, o Senador Lister Hill, do Alabama, expressou os sentimentos de todo o mundo quando disse a respeito de Helen Keller: “Ela viverá; ela foi um dos poucos nomes imortais, que não nasceu para morrer. Seu espírito perdurará enquanto o homem puder ler e histórias puderem ser contadas sobre a mulher que mostrou ao mundo que não existem limitações para a coragem e a fé”.

Ela foi por si mesma uma grande obra de educação, pois dedicou sua vida ao trabalho para o bem estar das pessoas cegas e surdocegas, influenciando na criação de legislação e serviços especializados.

Na sua visita ao Brasil em 1953, realizou palestras e visitou Institutos Especializados para Deficientes Visuais e Auditivos. Em uma das palestras realizadas em São Paulo, fizeram-lhe a seguinte pergunta: -“O que você gostaria mais de ver, se Deus lhe desse visão por cinco minutos?” Helen Keller respondeu: - “As flores, o pôr do sol e o rosto de uma criança”.

Falar sobre Helen Keller é falar sobre batalha, sobre perseverança, sobre otimismo, mas acima de tudo, sobre Vida. Há uma frase sua que me encoraja, me fortifica sempre que me deparo com dificuldades: : "A vida é uma aventura ousada ou é nada. Segurança é basicamente, uma superstição. Isso não existe na natureza."

Fontes: Keller, Helen, “ A história de minha vida”, Ali Abdalah Abdel, Fátima et al, “Descobrindo a surdocegueira”, Keller, Helen, Lutando contra as trevas RJ, Fundo de Cultura, C. 1957.

(*) - Titular da SBDE; Ex-Presidente da Academia Paraibana de Odontologia.

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