sexta-feira, 21 de abril de 2017

JUSTA HOMENAGEM A TIRADENTES



ALFERES JOAQUIM JOSÉ DA SILVA XAVIER 

– MÁRTIR DA INDEPENDÊNCIA

É sempre importante lembrar que na nossa História seguramente episódios de caráter pacifista, idealista e mesmo revolucionário muitas vezes foram arquitetados e amadurecidos por aqueles que adquiriram conhecimentos hauridos dos ideais maçônicos. 

Desta forma não se pode ignorar ou querer dissociar a influência da MAÇONARIA na evolução do contexto social, histórico e político do Brasil e dentre estes o episódio conhecido como a Conjuração Mineira do qual foi comparte o Alferes Joaquim José da Silva Xavier. 

Nesta iniciativa de promover a lembrança da conduta do mártir e herói Tiradentes e pela magnitude de nossa Pátria, ousamos identificar que a própria História do Brasil, seus heróis e os seus episódios foram condenados a um mórbido desterro injustificável, pois muitas vezes pela desídia ou negligência das autoridades constituídas, nosso povo e, infelizmente, a nossa juventude, palmilha um caminho de ignorância do passado, vivendo apenas o presente sem qualquer preocupação com o futuro. 

Citando Brecht, “Infeliz o povo que precisa de heróis. Mais infeliz ainda é o povo que esquece os seus heróis”. 

É oportuno neste momento lembrar que também é infeliz a nação que esquece o seu passado, ignorando a sua História, os seus costumes e as suas tradições, pois certamente esta forma de agir comprometerá a construção do presente, assim como qualquer projeto para o futuro.

OS ACONTECIMENTOS DA CONJURAÇÃO E O BRASIL DO SÉCULO XVIII 

O domínio rígido da Metrópole Portuguesa controlava a economia colonial brasileira por meio de um sistema monopolista, usualmente aplicado naquela época de acordo com o contexto do capitalismo comercial então em vigor, fazendo com que a economia do Brasil Colônia viesse a completar o sistema econômico português exportando com exclusividade para Portugal matérias-primas e gêneros tropicais, enquanto importava produtos manufaturados. Resumindo: O Brasil nada podia produzir em detrimento a qualquer concorrência com a Metrópole Portuguesa. 

À exceção da produção açucareira, o algodão, o couro do gado abatido, as folhas de tabaco, nada poderia ser manufaturado no Brasil, fato que levou à época uma relação de exclusividade denominada “Pacto Colonial” que a bem da verdade travava o desenvolvimento econômico da Colônia, não só pelo abuso dos monopólios, mas, sobretudo o rigor fiscal da Metrópole que buscava uma solução à crise financeira que se instalara em Portugal no decorrer do Século XVIII pelo fato de que a Coroa Portuguesa não possuía um lastro de capital suficiente para concorrer com o processo de industrialização, já em franco desenvolvimento na Inglaterra. 

Nesse sentido, incapaz de implantar o “Capitalismo Comercial” em oposição ao “Capitalismo Industrial”, Portugal continuava ligado ao mercantilismo e por consequência ao regime absolutista. 

Em meados do Século XVIII na Capitania das Minas Gerais a mineração – grande fonte que sustentava a Metrópole – já se encontrava em franca decadência, tornando-se, portanto, um alvo da voracidade fiscal e tributária de Portugal. 

É oportuno lembrar que a aversão do povo brasileiro ao colonizador português e o rigor do fisco imposto pela Corte já se manifestava nas primeiras décadas do Século em questão por movimentos rebeldes de caráter nativista a exemplo da Guerra dos Mascates, em Pernambuco (1.710) e a insurreição de Vila Rica produzida por Filipe dos Santos em 1.720. As absurdas exigências ditadas no Alvará Real de janeiro de 1.785 em prejuízo aos brasileiros despertavam mais uma vez a ideia de Independência, principalmente na Capitania das Minas Gerais. 

Dentre outras, o Alvará Real determinava a proibição do uso das estradas do interior para o litoral visando evitar o contrabando e o extravio do ouro; A proibição da entrada de livros estrangeiros visando à propagação de ideais liberais no território brasileiro e a DERRAMA, destinada a cobrança de impostos atrasados devidos pelos mineiros à Coroa Portuguesa. 

Embora o esgotamento do fastígio do ouro, a ambição desmedida do fisco ignorava o quadro e onerava cada vez mais com pesados tributos tornando a situação praticamente insustentável à população da Capitania das Minas Gerais. 

Estando o Brasil fechado para outras nações do mundo, tanto no aspecto comercial por força dos monopólios, bem como no campo cultural, pois até mesmo os livros estavam proibidos, julgava Portugal que nos rincões brasileiros não soariam os acordes de liberdade que ameaçavam as monarquias absolutistas europeias, abaladas pelos filósofos iluministas franceses como RUSSEAU, VOLTAIRE E MONTESQUIEU, cujas ideias falavam de liberdade, igualdade e fraternidade. 

Estes ideais tomavam força e vigor pelo exemplo da independência dos Estados Unidos da América alcançada em 1.776, não tardando a encantar a juventude intelectual, sonhadora e visionária que nas Minas Gerais e, mais precisamente em Vila Rica, decidia-se em conquistar a liberdade do Brasil do jugo da Coroa Portuguesa. 

Os primeiros passos para esse movimento libertário foram dados na distante Europa, quando o entusiasmo de brasileiros, filhos de famílias abastadas estudavam nas Universidades europeias de Coimbra, Montpellier e Bordeaux, justamente nos calor das ideias liberais que mais tarde inflamariam a Revolução Francesa. 

Há que se destacar os maçons iniciados nas terras europeias como José Joaquim Maia e Barbalho e José Álvares Maciel, cujo entusiasmo pela causa levou a José Joaquim da Maia a se encontrar com Thomaz Jefferson, o redator da declaração da Independência dos Estados Unidos e na época, embaixador na França. 

Em Nimes, Maia não titubeou a pedir apoio dos Estados Unidos para os planos de um Brasil Independente. José Joaquim Maia e Barbalho viria a falecer em Portugal quando se preparava para regressar ao Brasil. 

Entretanto, seus companheiros José Álvares Maciel e Domingos Vidal Barbosa de regresso ao Brasil viriam a se instalar em Vila Rica e a partir de 1.788 passavam a arrebanhar adeptos no sentido de impulsionar a ideia de um Brasil independente. 

Das ideias liberais trazidas da Europa pelos estudantes brasileiros, a voracidade do fisco português e o temor pela cobrança dos impostos atrasados, reuniram às sombras dos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade, homens cujo objetivo era a conquista da Independência do Brasil. 

É dentre este grupo que surge a figura do Alferes Joaquim José da Silva Xavier, alcunha de Tiradentes que viria a se constituir mais tarde como figura principal e Mártir da Independência.

A CONJURAÇÃO. 
As reuniões de objetivo libertário eram realizadas de forma alternada nas casas de Cláudio Manoel da Costa e do Ten. Cel. Freire de Andrade, todavia nem sempre cautelosas levando-se em conta a conspiração e os assuntos revolucionários. 

Devaneadores de um Brasil independente, os bravos conjurados de forma até utópica, anteviam um Brasil como República Democrática, sem escravos, onde haveria escolas e universidades para o povo, justiça tributária, incentivo para instalação de indústrias, etc. 

Seria também concedida uma anistia fiscal, a mineração e o comércio seriam livres e a capital seria transferida para São João Del Rey. 

Dentre outros planos dos visionários conjurados, estes tinham convicção do apoio popular, não se preocupando em preparar o povo para a rebelião. 

Para os conjurados, pois estes eram reconhecidamente influenciados pela independência dos Estados Unidos da América do Norte, o povo daria incontestável apoio tal qual ocorrera no continente norte-americano, onde os colonos americanos pela criação de impostos sobre o chá, vidro etc., rebelaram-se em busca da independência que foi alcançada. 

A DERRAMA, aqui no Brasil seria suficiente para provocar reação popular nas Minas Gerais. 

Neste sentido, os conjurados decidiram que a revolução romperia quando fosse lançada a DERRAMA. Talvez pela ação conspiratória um tanto quanto visionária e o ato covarde de Joaquim Silvério dos Reis – integrante do grupo dos conjurados – denunciando a conjura ao governador da Capitania, Visconde de Barbacena, levou ao malogro o projeto libertário do Brasil, sepultando os anseios daqueles conjurados. 

Com o ato traiçoeiro, é então suspendida a DERRAMA e ordenada à prisão dos Conjurados residentes em Vila Rica e em outras localidades da Capitania, sendo comunicado ao vice-rei D. Luiz de Vasconcelos o movimento conspiratório quando então fora ordenada a prisão de TIRADENTES que se encontrava em atividade conspiratória no Rio de Janeiro. 

Iniciou-se então – em 1.789 – um longo e penoso procedimento investigatório denominado de Autos da Devassa que durariam três anos, submetendo os conjurados a exaustivos interrogatórios, seguidos de violência e invasão de domicílio em busca de provas e materiais documentais que pudessem comprometer os conjurados. 

Ao longo deste período inquisitorial, surpreendentemente muitos dos conjurados mostraram uma fraqueza de caráter, acusando-se mutuamente no sentido de dar provas de arrependimento, o que acarretaria em um turbilhão de acusações a Tiradentes. 

Entretanto, para toda regra existe uma exceção, o comportamento do Alferes Joaquim José da Silva Xavier durante todo o período interrogatório foi o de nunca ter acusado os companheiros, nem mesmo demonstrando arrependimento e fraqueza de caráter, pautando-se firme na convicção do propósito de libertar o Brasil de Portugal. 

Disse o alferes: “Se mil vidas eu tivesse, mil vidas daria”. Estas palavras encontram-se registradas nos Autos da Devassa e são prova inconteste do seu firme propósito em lutar e morrer pela soberania da Pátria Brasileira. 

Concluída a “Devassa”, no dia 18 de abril de 1.792 exarou-se a sentença que no dia seguinte era lida aos conjurados, donde onze foram condenados à morte na forca, cinco condenados ao degredo perpétuo e os demais ao degredo temporário. 

Entretanto, no dia 20 de abril daquele ano nova sentença era lida, comutando a pena de morte pelo degredo perpétuo para dez conjurados, mantendo-a apenas para Tiradentes, cuja sentença determinava por ser “o único que se fez indigno da real piedade”. 

Na manhã de sábado, 21 de abril de 1.792, na forca levantada no Campo de São Domingos, ou Larga da Lampadosa, consumava-se o martírio de TIRADENTES.

A SAGA DE TIRADENTES. 
Joaquim José da Silva Xavier nasceu a 12 de novembro de 1.746 na Fazenda do Pombal, Freguesia de Santa Rita do Rio Abaixo, em Minas Gerais, de pai português e de mãe brasileira. 

Cedo aprendeu com o seu padrinho, Sebastião Pereira Leitão, o ofício de dentista prático, no qual se tornou perito e que lhe rendeu a alcunha de “Tiradentes”. 

Aos 25 anos começou a realizar viagens com fins comerciais e profissionais entre Minas Novas e o Rio de Janeiro, as quais durariam aproximadamente cinco anos. 

Aos vinte e nove anos assentou praça na cavalaria da Companhia dos Dragões de Vila Rica com o posto de alferes. Alferes (do árabe: alfarc=cavaleiro) é um antigo posto do Exército Brasileiro correspondente ao atual segundo-tenente. 

De perfil muito expansivo e falante, tornou-se bastante conhecido entre Vila Rica e o Rio de Janeiro, nas estalagens, nas fazendas, nas casas comerciais e nos destacamentos militares. 

Em 1781, comandava o posto de vigilância no caminho do Rio, com a missão de reprimir o contrabando na serra da Mantiqueira. 

Dedicou-se também à construção de estradas, como a ligação de Sete Lagoas a Paracatu e o melhoramento de variante do Caminho Novo do Rio de Janeiro. 

Interessou-se pela descoberta de novas lavras e teve uma fracassada experiência agrícola. 
Nunca se casou, porém, teve uma filha de nome Joaquina, de sua ligação com Antônia Maria do Espírito Santo. 

Em face as suas permanentes movimentações, fizeram-no, além de conhecido, estimado, ainda mais em consideração ao seu temperamento simpático e expansivo, à sua língua solta e à sua personalidade pitoresca. 

Sendo recebido em todos os meios, logo iria se associar àqueles que se queixavam da opressão fiscal, dos impostos extorsivos, dos peculatos, da corrupção e dos desmandos das autoridades. 

O ano de 1.788 marcou seus decisivos contatos no Rio de Janeiro com homens que iriam marcar a sua vida e a sua atuação daí em diante. 

Em março, ele se aproximou do padre Rolim que era acusado de contrabando e expulso das Minas Gerais.

A 23 de julho ocorreu o famoso e importante encontro dele com José Álvares Maciel que acabara de retornar da Europa. Este lhe deu conta da correspondência entre José Joaquim Maia e Barbalhos e Thomas Jefferson. 

Neste encontro Maia entregou a Tiradentes um exemplar do “Recueil”, coletânea dos princípios políticos básicos do sistema constitucional norte-americano. 

A partir daí ele começou sua pregação, participando de conventículos e da importante reunião dos principais ativistas do movimento, em 26 de dezembro de 1.788, na casa de Freire de Andrade, para formalizar os planos de um levante armado contra a Coroa portuguesa. 

Essa pregação do alferes, todavia, ao invés de se limitar ao segredo de recintos fechados, como convém a revoltosos, acabou atingindo reuniões em locais públicos, nas ruas, nas praças, nos quartéis, nas tabernas, ou seja, em qualquer lugar em que pudessem existir ouvintes que poderiam aderir ao movimento. 

Suas falas sobre corrupção dos governadores, a exploração da colônia pela metrópole, as riquezas da Capitania e a perfeição do regime republicano, que faria emergir essas riquezas em benefício dos brasileiros, passavam de boca a boca e iam comprometendo o futuro da revolta que, evidentemente, teria que ser absolutamente secreta para ter êxito. 

Era um entusiasta que expunha suas ideias com fervor, e que ia articulando os planos para o movimento, garantindo a todos que o levante seria apoiado por gente do Rio de Janeiro, do Pará, da Bahia, de Pernambuco e até da França, que haveria de mandar naus de Bordéus. 
Graças a isto, muitos dos seus companheiros o consideravam um visionário. 

Quando parecia delineado o movimento, Tiradentes voltou ao Rio de Janeiro, em 11 de março, depois de ter recebido licença no dia 10. 

Em 14 do mesmo mês foi suspensa a Derrama – conforme carta enviada por Barbacena à Câmara de Vila Rica – e no dia seguinte, dia 15, o delator do movimento, Silvério dos Reis, apresentava verbalmente a sua denúncia, conforme atestado do Visconde de Barbacena, incluindo no Vol. I dos Autos da Devassa. 

Denunciado o motim, ou o que restava dele, Tiradentes passou a ser vigiado no Rio de Janeiro, sendo preso no dia 10 de maio, três dias depois de instalada a Devassa do Rio de Janeiro. 

Encarcerado na ilha das Cobras passou por vários interrogatórios entre 1789 e 1791. 
Em 18 de janeiro de 1790 ele confessou ter sido cabeça do motim, justificando o fato de nada ter dito antes por não querer perder ninguém, mas que, diante das evidências contra ele apresentadas, reconheceu que tramou tudo, sem que sofresse a influência de ninguém. 

O espetáculo desta tragicomédia chegaria ao fim com o enforcamento do Alferes Joaquim José na manhã de 21 de abril de 1.792, ao redor das 11 horas, numa ensolarada manhã de sábado. 

Morria o homem que sonhou com a liberdade do Brasil, nascendo concomitantemente o mito que estimularia a Independência de 1.822. 

Cita Calógeras, “antes mesmo de nascer, a Inconfidência tinha morrido. Resumiam-se em planos, projetos e conferências vagas. Nada fora feito para transformá-la em realidade. 
Sua importância, entretanto, manifestou-se com o decorrer do tempo, não em execução, mas como sintoma. 
Dera a medida da opinião pública, índice de hostilidade generalizada contra a administração lusitana e seus métodos. Nela despontava a Independência”.

CONCLUSÃO. 
Antes mesmo de nascer esse movimento sedicioso de Vila Rica tinha morrido. 
Talvez lhe tenha faltado consistência ideológica, não sendo fácil a abordagem desta questão, pois tão escassas e vagas são as ideias que transparecem nos registros que também eram raros. 

Tiradentes, proclamado herói nacional quando foi implantada a República, e Patrono do Brasil em época mais recente, merece na realidade estas honrarias póstumas, pois foi um entusiasta de uma causa de que outros se aproveitavam, assumiu todos os riscos, com o estoicismo dos predestinados e enfrentou a morte com a serenidade e a dignidade que os demais conjurados não souberam manter nos momentos mais cruciais. 

Graças ao fato de ter sido levado ao degrau mais alto do altar da Pátria como mártir da liberdade, a sua figura sempre seduziu a todas as camadas sociais e a todos os pesquisadores da História nacional. 

Neste momento de homenagem ao mártir da liberdade da nossa Pátria, é oportuno uma reflexão sobre os dias atuais tão conturbados e abarrotados de péssimos exemplos por parte de alguns partícipes de segmentos da política nacional. 

Ao lembrarmos Tiradentes e o seu calvário na forca, tendo o seu corpo esquartejado e espalhado a servir de um tétrico exemplo, tão grave quanto esta execução sumária é o exemplo deixado por aqueles que eleitos para representar os anseios do povo brasileiro, trocam este objetivo por atos de corrupção e enriquecimento ilícito, roubando a nação e se escondendo sobre o manto secreto do corporativismo onde acertos e acordos tomam o lugar da justiça e da equidade. 

Se o mártir fora sacrificado por lutar por justos ideais, quando a Derrama extorquia os brasileiros com impostos descomunais, o que se poderia dizer atualmente com a pesada carga de impostos auferidos pelos poderes constituídos, sacrificando uma nação cansada de lutar pelo seu engrandecimento, mas sem a devida recompensa. 

Num afã de neologismos criam-se adjetivos para qualificar as vias da corrupção. Propinodudos, valeriodutos, mensalão são adágios do dia a dia de uma nação que tem um povo simples, humilde e trabalhador, entretanto, extorquido. 

A liberdade ainda que tardia desperta o povo, ergue a nação e exalta as sãs consciências. 

A palavra liberdade inspira poetas, encoraja soldados, arma patriotas e produz heróis. 

O corpo repartido de Tiradentes arde até hoje exposto nas estradas do tempo da nossa História, sangrando para que a liberdade seja lembrada todos os dias e todas às horas, convidando-nos ao testemunho, à vigilância e ao exemplo. 

Tomara que o exemplo do mártir na luta pela liberdade possa assegurar a cada brasileiro as condições mínimas de subsistência como alimentação, educação, habitação e a saúde. 

Que assegure o direito de não ser discriminado pela cor, pela condição social, pela idade e pelas convicções políticas e religiosas.

Que o suplício de Tiradentes lembre às autoridades que o homem tem o direito a felicidade, ao trabalho e, sobretudo, a viver com dignidade.

Em Tempo. - No resumo histórico deste texto, em grande parte, teve por base apontamentos do saudoso Irmão José Castellani, assim como bibliografia pertinente ao tema.


PEDRO JUK. Morretes/PR  

segunda-feira, 17 de abril de 2017

CONTO - A REFORMA - JORGE MOTTA

 A REFORMA

A conversa telefônica ia em meio, às duas e trinta da madrugada.

Conversa entre duas pessoas que batera todos os recordes mundiais. Mais de dez anos, telefonemas que duraram horas e horas.

Havia pela manhã, à tarde e nas noites prolongavam-se até o amanhecer. Todos os assuntos eram dissecados minuciosamente: Infâncias, vida de ambos, juventude, alegrias e sofrimentos, literatura, pintura, música, arquitetura, cinema, odontologia. Tinha mais arte que o canal Arte 1

Era nessa fonte de assuntos, que ela lhe fornecera vários Leitmotifs para vários contos (ele era contista) que se projetaram mundo afora:

A tentação (a oficina da chacina do carro); A árvore (árvore que cai não cai em frente à casa), Xana (cadelinha fujona, inteligente e rebelde), etc, etc. , etc...

Naquela noite, a certa altura, a conversa caiu em literatura:

- Sabes, Lentilhinha, depois de escrever centenas de contos, vou me alongar um pouco mais, vou escrever uma pequena novela.

Lentilhinha Dourada: - Novela? Qual o título?

Jorge - Bem, a revista da Unisinos me solicitou algumas passagens da vida da Maria Degolada. 

Não as burocráticas, com datas, moradias, trabalhos que se encontram em qualquer arquivo público. 

Querem o que não se encontra nos prontuários. O que os olhos não vêm, os sentimentos, as dores, os sofrimentos, o ardor das paixões, os prazeres, os delírios insondáveis, os sonhos, as desilusões, enfim querem, não a pessoa, mas, a personagem Maria Degolada. 

Bem, em alguns contos, algo disto aparece. Mas, creio que é pouco para a magnitude da figura. 

Vou tentar condensar tudo isto numa novela, que será só dela.

Lentilhinha  - Mas qual será o titulo?

Jorge – Tragédia e imortalidade da mais sublime das Marias. Obra de ficção,

Lentilhinha (voz algo irritada, peremptória): 

Não podes fazer isto. Maria Degolada é uma figura real. Não se pode escrever ficção sobre uma figura real!!!!! (e ponto final) toiiiiinnng ......

Jorge, nocauteado, foi dormir. Retardado no raciocínio polêmico, foi deitar pensando: 

- É, de fato, ela tem razão. A “fessora” Lentilhinha falou, tá falado. Não tem discussão!

Enquanto isto, nessa mesma noite, no Olimpo dos Deuses da Literatura, foi convocada uma reunião de emergência por seu Presidente de Honra, Liev Tolstoi. 

Sentado na cadeira da ampla mesa redonda, ele falou aos demais imortais, dentre eles, Victor Hugo, Hawthorne, Gogol, Balzac, Allan Poe, Dickens, Zola, Fitzgerald, Maupassant, Cervantes, Maugham, Vergílio, Dostoievski, Shakespeare e dezenas de gênios literários.

- Senhores, depois de séculos de glórias imortais a nós concedidas por nossos semelhantes, unanimemente, pelo valor de nossas obras, tudo isto acha-se ameaçado pela primeira vez. 

Pois nesta madrugada, precisamente às 02h30min, captamos vindo diretamente do Morro da Maria Degolada, por uma voz maviosa como a de um anjo, a seguinte frase:  
- Não se pode escrever ficção sobre uma pessoa real!  

Um oh de incredibilidade percorreu o auditório.

Tolstoi continuou: - Senhores! Pensai bem, isto é uma sentença de morte para nós, é pior do que a Reforma de Lutero foi para a Igreja Católica, pois reduz à moeda sem valor tudo o que criamos. 

É a Reforma da Literatura, que proíbe a junção, que prega a separação total da ficção literária da realidade. Ora, isto é como propor a separação de xipófagos, ambos morrem!!

- Essa Reforma é impossível de ser aprovada! Gritou o rebelde Oscar Wilde.

Tolstoi respondeu: - Ora, Oscar, o impossível não existe quando se trata de perseguir escritores e poetas; já esqueceste Canterville? E o grande Lorca, esqueceu o garrote do Franco?  Lorca, com cara de sofrimento, afaga a nuca.

- E depois, senhores - prosseguiu Tolstoi - não nos esqueçamos de que essa sementinha está sendo plantada no Brasil, reino dos políticos, e que essa moça é amiga de Maria do Relicário e Luciana Sogro, ambas senhoras super influentes no Senado Brasileiro, e neste passa até elefante com duas trombas.

- E também não se esqueçam de que, sendo Reforma, nem que seja de um galinheiro, Temer aprova. E se passa no Brasil, passa em toda a América Latina. Vargas Llosa, Garcia Marquez, Jorge Luís Borges, Galeano gemem de dor. 

Mais gemidos lancinantes lançam aos céus, os norte-americanos Allan Poe, Graham Greene, Mark Twain, Hemingway, Fitzgerald, Faulkner, ao anteverem com que prazer sádico e riso tresloucado, o grande lou(c)ro Drump assinará a sentença de morte e anulação de seus livros.


Pelas quatro da manhã, Jorge sonhava, como sempre, estar voltando à sua Vila Mapa, quando seu sonho foi interrompido por gritos vindos da calçada de seu edifício. 

- Manifestantes? Protestos? A esta hora? 

Os chavões: Fora reforma! Abaixo a reforma! Não à reforma!!

Jorge pensou: - Será que eles acham que o Temer mora aqui?

Abrindo a janela, deparou com dezenas de caras que já viu em algum lugar! De onde será? 

À frente de todos, com imensa barba branca, alguém que parecia Tolstoi gritou: 

- Eu estava na cabine do maquinista quando a Ana (Karenina) se atirou em baixo dos trilhos. Ela não é real?

A seu lado, Victor Hugo disse: 

- Fui padrinho de batismo de Quasimodo e dancei a valsa de 15 anos com Esmeralda, agora dizem que não se pode fazer ficção com seres reais?  Estão de brincadeira!!!

Hawthorne gritou: 

- A mansão de 7 cumieiras ficava em frente à minha casa, em Salém.

José de Alencar protestou: 

- Fui padrinho de casamento de Peri e Ceci. 

Fitzgerald: - O “grande Gatzby”  sou eu!

Alexandre Dumas Filho: 

- A “Dama das Camélias” era minha noiva, Marie Duplessis, cortezã que me amou, me deixou por causa  da minha família, e morreu de tuberculose com uma Camélia na mão, em meus braços.

Finalmente, o mais indignado era o sanguinário, Prosper Merimée: 

- Fui amante da cigana Carmem que, por causa do amor à Música, trocou-me pelo Bizet (“Carmem”, de Bizet). Por isto, mandei José matá-la no centro da Plaza de Toros. Se ela não é real, quem será? Papai Noel? 
         

       Tolstoi retorna a falar: 

       - Contista Jorge - Se esta reforma for aprovada, todos os romances, contos e novelas baseados em seres reais, serão considerados fora da lei, ilegais. 

Serão proibidos, perseguidos, queimados na fogueira, como as “Bruxas de Salém”. Junto com elas, nossa imortalidade terá fim. 

Se a perda da vida (morte) é dolorosa, imagine-se a da imortalidade! Que o digam Homero e Virgílio!

Jorge: - Meus caros gênios, corta meu coração sua iminente desdita, mas que posso fazer? Eu, um contista temporão, que comecei a escrever modestos contos, aos 60 anos?

Hemingway completa: 

- Quem já ganhou troféus em 3 países?
        
   Tolstoi: - Sois nossa última esperança, pois ninguém conhece Lentilhinha Dourada, desde antes de nascer, dia por dia, hora por hora, como vós!

Jorge: - Sim, é a mais doce e meiga das criaturas que já brotou no morro da Glória. 
Tem uma voz que me leva aos páramos mais altos do Firmamento. Mas, em compensação, é também a mulher mais teimosa que já houve. Quando embirra com alguma coisa nem Deus nem o diabo fazem-na voltar atrás. Eu que o diga. É irreversível! 
Quem sou eu, um modesto contista, que escreveu duas dezenas de contos sobre ela, premiados mundo afora, que a imortalizarão por séculos? 
Dela consigo tudo, menos que volte atrás.  Em 1971, soube disto como ninguém. Sinto muito, mas não posso ajudá-los.

Quando todos, cabisbaixos, tristes, iam se retirar, aterrisou na Ipiranga um taxi aéreo, e dele, correndo, surgiu um indivíduo que nada tinha de aura de gênio, era uma figura de homem comum.

Ofegante e correndo, ele gritou jubiloso: 

- Felizmente cheguei a tempo, desculpem-me, gênios! 
É quase uma heresia estar entre vós. Sou, apenas, um escritor comum, mas tenho a chave de salvação de vossas imortalidades.
- Bravo, gritou Hemingway, e deu um tiro para o alto com a espingarda com que um dia se suicidou, em 1960.

Olhando para a sacada, para o morador, o novo participante continuou:

- Estava vendo câmeras de monitoramento, quando captei este acontecimento. Meu caro Jorge: 

Apesar da idade, permaneces ingênuo como um menino de 8 anos! Desde que nasceste, ao conheceres Lentilhinha,  teu coração é uma porta aberta, maior que a do Vicente Celestino, a clamar por cada buraquinho desta porta: 

“Amo Lentilhinha; Adoro  Lentilhinha; 
Te voglio bene, Lentilhinha; Te quiero, Lentilhinha”

Mas, ao mesmo tempo, não a compreendes e não consegues fazê-la voltar atrás, mas eu, que apenas a conheço de vista, tenho a chave do problema. 

Sou como ela, fanático por animais, especialmente cachorros, chamo-me Carlos  Heitor Cony.
        
  Um dia, ao desembarcar em Porto Alegre, só por eu ter escrito um livro sobre cachorros, ela foi ao aeroporto, beijou-me a mão e disse: 

 - Este seu livro será minha bíblia! 

 Confesso, emocionado, correram-me lágrimas.

Então, querendo retribuir, disse-lhe: 

- Minha meiga menina, qual o maior sonho de tua vida, que não conseguiste realizar? Diga-me e eu, transformando-me num mágico, conseguirei que ele “cames true” (torne-se verdade); ela enrubesceu, e me disse: 

- Tenho um, há mais de 10 anos, mas nunca contei a ninguém: 

- Sonho dia e noite com o cachorrinho mais lindo que jamais existiu, ele é negro, como azeviche, tem quatro bolinhas brancas no corpo, os olhos são tristes e sonhadores, e vive olhando para as estrelas, talvez procurando a amada que perdeu há mil anos num baile de carnaval. Seu nome é PIERROT. 

Era do Jorge, mas, infelizmente, por questão de Condomínio, ele deu para uma amiga chamada Rainha; foi o dia mais triste de minha vida, pois daria tudo no mundo para ter aquele cachorrinho divino morando em minha casa, comigo para sempre!

Voltando-se para a multidão, Cony gritou: 

- Entenderam? Dando-lhe  Pierrot, ela desistiu da reforma. Todas as imortalidades de vocês estarão preservadas, e eu, aos olhos de Lentilhinha, serei maior do que o mágico de Oz, e ganharei outro beijo!  Onde fica a mansão da Rainha?
        
   Jorge deu-lhe o endereço. E a multidão gritando mais que a torcida do Internacional, correu em massa para a mansão da Rainha, na Vicente da Fontoura, aos berros de: Pierrot! Pierrot! Pierrot!

Jorge, solitário na sacada, pensava: - Felizes Gênios, feliz Lentilhinha!

Mas uma sombra triste escureceu-lhe o rosto ao pensar:


- Pobre Rainha, nenhuma mulher ama mais cachorrinhos do que ela. Sobreviverá à perda de seu amado PIERROT?