Por Odette Mutto **
I
A freira puxou o terço, pausadamente - “Pai Nosso que estais no Céu...” Crianças impacientes esperavam a vez de responder - “Pão Nosso de cada dia...”
Lauro pensou que o “pão nosso” bem podia incluir aquele pão-doce que ele viu na padaria... Devia custar caro, estava fechado na vitrina. Parecia uma trança, enrolado e lustroso, só de pensar dava água na boca. Se pudesse compraria um e levaria para casa. Queria só ver a cara dos irmãos quando enxergassem aquela delícia...
Perdeu a sequência da prece. Como um ímã, o pão doce atraiu-lhe o pensamento. Dividiria entre os irmãos de acordo com as idades. Esbarrou numa dificuldade: dois eram mais velhos que ele. Anuviou-se um pouco. Não receberia o maior pedaço. Resignou-se logo. Afinal, os outros viviam engraxando sapatos, carregando cada pacote tão pesado para ninguém ir dormir sem comer. E ele, agora, estava pretendendo tirar vantagem. Se pensara em dividir daquele jeito, precisava manter a ideia. Fora ele próprio quem decidira assim. Tinha eu cumprir a palavra sem choradeira.
II
Pouco compenetrada Mônica recita: - “Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós”...
Rezara tanto quando os pais viviam brigando para eles não brigarem mais. Parece que não tinha sido ouvida. Cada qual acabara pegando seu rumo e ela ficara com o pai. Ganhara muito presente na época da separação, até parecia Natal: trem elétrico, oito bonecas, bicicleta com farol, mobília de quarto nova, vestidos de toda espécie. Não entendia porque lhe davam tanta coisa. Não queria nada, só vê-los juntos. Isto não ganhara. Tinha certeza de ter feito apenas esse pedido, mais nenhum.
III
- “Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo”. - Assim como era no princípio, é agora e sempre...
Sempre assim. Aros e raios da cadeira luziram ao sol do meio-dia. O médico dissera que ficaria sempre assim, as pernas sem movimento.
“Sempre” devia ser muito tempo porque mamãe começara a chorar perdidamente.
Às vezes, tinha vontade de perguntar quando é que ia poder correr como as outras meninas, mas ficava calada. Talvez fizesse mamãe chorar, e não queria isto. Ela já vivia tão triste, todo dia de olhos vermelhos.
A freira aproximou-se. Quis saber se estava rezando. Ergueu o rosto ingênuo e não respondeu. Rezar era bom para as outras crianças que tinham brincado e pulado. Enquanto rezavam descansavam das correrias. Mas ela, sentada sempre naquela cadeira de rodas, não tinha do que descansar...
* - Do livro de contos “Bandido”;
** - Escritora paulista, várias vezes premiada, componente da Sociedade Brasileira de Dentistas Escritores. Componente da Comissão Julgadora do X Concurso de Literatura, evento integrante da “Maratona Cultural ACESC 2009”, realizado em 22.06 no Club Athletico Paulistano.
Postagem da SBDE
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